3º ANO


Entrevista

A linguagem dos jovens

Jornalista comanda pesquisa inédita que decifra o que pensa e comunica a juventude brasileira

Luiz Costa Pereira Junior


Os jovens de hoje são filhos da mãe. Com todo respeito. A constatação, resultado de uma das mais interessantes pesquisas sobre a juventude brasileira, aponta que a figura mãe se tornou a referência máxima da geração nascida nos anos 80 e 90. Num país em que 20 milhões de famílias são chefiadas por mulheres, valores considerados maternais (o afeto como vetor da felicidade, cultivar amigos, fazer o que gosta e cuidar de quem se gosta) passaram a substituir aqueles tidos como "masculinos" (ganhar dinheiro, fazer carreira, subir a todo preço), que predominaram na geração anterior.
A intenção da Novos Consumidores 2, pesquisa feita pela Studio Idéias entre julho e outubro de 2008 com 1.623 jovens de todo o país e lançada no fim do ano, era medir a relação que os jovens mantêm com a publicidade. Mas, a pedido do Núcleo Jovem da editora Abril, que solicitou o estudo, formou um balanço de como se expressam as pessoas de 13 a 24 anos, dos centros urbanos. "Tivemos o cuidado de não falar com formadores de opinião, para retratar o brasileiro médio, com um mínimo de acesso à internet", diz Brenda Fucuta, a diretora do Núcleo Jovem da Abril, responsável pela pesquisa.
Jornalista desde o fim dos anos 80, Brenda trabalha com leitores adolescentes há mais de dez anos. Foi diretora da revista Capricho e hoje comanda um rol de publicações para jovens, com 7 milhões de exemplares mensais. Sob o comando de Brenda, o estudo aferiu comportamentos que explicam em parte o modo como os jovens se expressam. Na internet ou na roda de conversa, eles ditam a linguagem que será absorvida no trabalho e nas reuniões familiares.
Brenda sabe que toda pesquisa padece do risco de generalizar o que pode ser só tendência parcial. Mas crê que sua pesquisa traz marcas geracionais que serão incorporadas pela sociedade. "A geração paz e amor foi uma minoria, mas impactou uma era", diz. Brenda mostra aqui como, por influência materna, o jovem atual está feminilizando sua visão de mundo e agitando sua linguagem.
Qual a diferença do jovem de hoje para o de ontem?
Há um contraste grande com os valores yuppies. Os jovens estão mais preocupados em ter prazer no que fazem e estar com os amigos do que fazer carreira a todo custo. Isso pode ser só um ciclo, o da geração avessa à geração anterior. Mas pode ter a ver com um dado de nossa pesquisa: a influência feminina.
A mulher mudou mesmo os valores juvenis?A juventude atualizou o papel da mãe, que não é só a mãe querida, mas a mulher admirada, que dá conta da casa e do trabalho. Seus filhos herdaram valores "maternais". Valorizam o coletivo e fazem dos amigos uma família ampliada. Estar junto, a tolerância, é mais forte do que ganhar dinheiro e ser bem-sucedido, valores mais "masculinos". Chamo o período atual de novo matriarcado e a atual juventude, de "filhos da mãe".
Como a presença materna se reflete no jovem?
Como as mulheres refizeram o caminho que foi dos homens, temos adolescentes mais atiradas, que ficam com vários parceiros e veem o namoro como limitador. Meninas com comportamento mais "masculino", mas ainda românticas. Em contrapartida, há esvaziamento do papel dos meninos. Estão perdidos, não sabem o que fazer, enquanto elas sabem: têm muita diferença a tirar.
Como isso se reflete na linguagem?
Na escrita, sob a revolução midiática, nunca se escreveu tanto. Ao menos por enquanto, internet para o jovem é rede social, uma maneira de conversar com os outros, de mostrar-se e de ver o que acontece. As pessoas querem cultivar amigos. Com isso, há uma oralidade sendo transmitida à escrita. Há os neologismos da internet e há os da fala cotidiana.
O jovem adota gírias só até entrar no mercado?
Pode ser, mas é preciso considerar que o mercado e as famílias estão mais abertos a gírias adolescentes do que o inverso. Hoje, é comum ouvir, no trabalho, expressões que os pais incorporaram dos filhos. As pessoas falam "beleza" e "tá certo" mesmo em atividades formais - e já não soa esquisito. Os ambientes de trabalho estão mais flexíveis com a linguagem. A juventude fez isso.
A barreira da linguagem reflete nossa ignorância sobre o jovem?
Há muitos mitos. Não está correta, por exemplo, a ideia de geração que nasceu digital, faz ene coisas ao mesmo tempo e quer liberdade, espaços abertos, esportes radicais. E, embora o jovem leve vantagem com as novas mídias, ele lida com as novidades de maneira espantada, assim como nós. Nesta pesquisa e numa anterior, de 2005, os jovens se dizem afogados com tanta informação.
Que outros mitos ruíram? 
O de que eles preferem ambientes abertos. O lugar mais jovem da cidade é a sua casa. É lá que ele se sente à vontade, e os pais o estimulam a receber amigos. Isso tem a ver com segurança e também com a mudança estrutural das famílias, que eram grandes. Agora, têm poucos filhos, se deslocaram e ficaram longe de avós e tios. Os amigos cumprem o papel dos antigos primos e irmãos.
O gosto pela casa indica uma geração que fez da internet sua janela?
O que se nota é que o contato digital é tão prazeroso quanto a necessidade física de estar com a turma. Não é uma experiência tão pobre quanto imaginam os adultos. A imagem do jovem que faz mil coisas de uma vez também é falsa. Ele consome muitas mídias: são 8 horas diárias, 3 só na internet, outras 3 na TV, mas um consumo fragmentado, não tão simultâneo.

O jovem é superficial e alienado? Ou isso é mito? 
Não diria superficial. Os valores mudaram. Tivemos gerações empenhadas em política ou em ganhar dinheiro. Hoje, há bandeiras como "vamos viver a vida com mais prazer e sentido". Não serão esses os jovens que vão revolucionar o meio ambiente, mas tiveram mais convites a pensar a questão. O fato é que a presença feminina se reflete numa geração mais conservadora e menos individualista, atenta à qualidade da própria vida. Não dá para dizer que é mais alienada.
Não há mais informação do que jovens bem informados?
O jovem está sim mais informado. Minha geração tinha mídias tradicionais para consultar, e isso limitava o número de pessoas informadas. Hoje é diferente. Uma adolescente me disse algo decisivo: "Não preciso ir até a informação, ela vem a mim". Se as Torres Gêmeas caem ou o Lombardi morre, o jovem saberá, mas de segunda, terceira mão, sem consultar as mídias tradicionais. Fiz um estudo de caso no Twitter de uma garota que postou a mensagem "O Lombardi morreu. Não acredito". Quis saber onde ela buscou a história e vi que no Twitter de uma celebridade. Ela retuitou a informação, e seus amigos a seguiram. Alguns, então, questionam: "Mas morreu do quê?". Aí vão às mídias tradicionais buscar detalhes e dizer ao amigo que sabem mais do que ele.

Quais os acertos e os erros na linguagem que se adota com o jovem?
O conteúdo é importante, mas desde que embalado de um jeito funcional. E o jovem gosta de entretenimento aliado a
conteúdo. Se algo benfeito é bem embalado, o jovem tira de letra mesmo a mensagem mais complexa. Por outro lado, o erro mais tosco é posar de jovem. Tende-se a exagerar na gíria. O jovem percebe quando um adulto se passa por garoto. Outro erro é congelar a imagem do jovem no filho, no sobrinho. As pessoas mudam com rapidez seus hábitos, é fácil perder o compasso. O terceiro erro é não valorizar a força do visual da mensagem. É preciso traduzir fatos em imagens e "imagens verbais".
Quais os obstáculos para quem quer comunicar-se com o jovem?
Só na aparência os jovens são autossuficientes. Passam 80% do tempo se autoabastecendo de dados, e de algum modo digerem o que vale a pena e vai sustentar seus papos. Há gente, por enquanto adulta, que fornece o conteúdo que, de alguma maneira, será tema da conversa deles. Estamos no grande momento de desenvolver um modelo de fluxo de informação. Para alguém autossuficiente, mas carente de orientação.
O que se aponta no futuro?
Com a consolidação da figura da mãe por essa geração, tendemos a ver jovens cada vez mais "femininos", tolerantes e acolhedores, valorizando a família e os amigos. Na mesma direção, há uma mulher agressiva, "masculina", que determina cada vez mais os rumos da sociedade. Está anunciada, e para breve, uma nova onda: a revisão do papel masculino. Que homens serão esses que começaram a dar tal importância à mulher? Como isso se refletirá na linguagem? São perguntas que a atual geração deve nos responder. No futuro, é claro.
A figura mais admirada: a mãe
Coisas que aprendeu com a mãePara ser feliz é preciso
Ser honesto 34%Ter poucos e bons amigos
Ser educado 27%Cuidar de quem se gosta 30%
Respeitar o outro 26%Ser querido pela familia 29%
Fonte: Novos Consumidores 2, Studio Idéias, julho/outubro 2008, questionário via internet (1.470 entrevistados), qualitativa com blogs (24), Perception Analyser (105), focus group "curto-circuito" (24).

Jovens linguagens
Um verbo como "ficar" (namorar) marca a aversão a compromisso longo, não só porque o sexo é risco na era da aids, mas por sinalizar o relacionamento rápido e fragmentário.

O mercado de trabalho e as famílias estão mais abertos a gírias adolescentes. Hoje, é comum ouvir, no trabalho, expressões que os pais incorporaram dos filhos.

Sob a revolução midiática, nunca a juventude escreveu tanto. Há uma oralidade sendo transmitida à escrita e neologismos gerados na internet, não desprezíveis.

2 comentários:

  1. Adorei o texto, bastante interessante por ele falar dos jovens e relatar a maneira, das linguagens, costumes do jovem ultimamente, que a cada vez mais vem mudando.. Bastante interessante lembrar que a linguagem dos jovens, já é uma coisa bem comum entre os adultos, tanto como pais, professores, etc. Muito bom o blog também, achei bem criativo e interessante e sempre que puder virei dar mais umas olhadas, pra saber o que tem de novo. Beijos, Helen

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    1. É isso mesmo Helen... pode dar quantas olhadas quiser, fica a vontade...beijos

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