Entrevista
A linguagem dos jovens
Jornalista comanda pesquisa inédita que decifra o que pensa e comunica a juventude brasileira
Luiz Costa Pereira Junior
A intenção da Novos Consumidores 2, pesquisa feita pela Studio Idéias entre julho e outubro de 2008 com 1.623 jovens de todo o país e lançada no fim do ano, era medir a relação que os jovens mantêm com a publicidade. Mas, a pedido do Núcleo Jovem da editora Abril, que solicitou o estudo, formou um balanço de como se expressam as pessoas de 13 a 24 anos, dos centros urbanos. "Tivemos o cuidado de não falar com formadores de opinião, para retratar o brasileiro médio, com um mínimo de acesso à internet", diz Brenda Fucuta, a diretora do Núcleo Jovem da Abril, responsável pela pesquisa.
Jornalista desde o fim dos anos 80, Brenda trabalha com leitores adolescentes há mais de dez anos. Foi diretora da revista Capricho e hoje comanda um rol de publicações para jovens, com 7 milhões de exemplares mensais. Sob o comando de Brenda, o estudo aferiu comportamentos que explicam em parte o modo como os jovens se expressam. Na internet ou na roda de conversa, eles ditam a linguagem que será absorvida no trabalho e nas reuniões familiares.
Brenda sabe que toda pesquisa padece do risco de generalizar o que pode ser só tendência parcial. Mas crê que sua pesquisa traz marcas geracionais que serão incorporadas pela sociedade. "A geração paz e amor foi uma minoria, mas impactou uma era", diz. Brenda mostra aqui como, por influência materna, o jovem atual está feminilizando sua visão de mundo e agitando sua linguagem.
Qual a diferença do jovem de hoje para o de ontem?
Há um contraste grande com os valores yuppies. Os jovens estão mais preocupados em ter prazer no que fazem e estar com os amigos do que fazer carreira a todo custo. Isso pode ser só um ciclo, o da geração avessa à geração anterior. Mas pode ter a ver com um dado de nossa pesquisa: a influência feminina.
Há um contraste grande com os valores yuppies. Os jovens estão mais preocupados em ter prazer no que fazem e estar com os amigos do que fazer carreira a todo custo. Isso pode ser só um ciclo, o da geração avessa à geração anterior. Mas pode ter a ver com um dado de nossa pesquisa: a influência feminina.
A mulher mudou mesmo os valores juvenis?A juventude atualizou o papel da mãe, que não é só a mãe querida, mas a mulher admirada, que dá conta da casa e do trabalho. Seus filhos herdaram valores "maternais". Valorizam o coletivo e fazem dos amigos uma família ampliada. Estar junto, a tolerância, é mais forte do que ganhar dinheiro e ser bem-sucedido, valores mais "masculinos". Chamo o período atual de novo matriarcado e a atual juventude, de "filhos da mãe".
Como a presença materna se reflete no jovem?
Como as mulheres refizeram o caminho que foi dos homens, temos adolescentes mais atiradas, que ficam com vários parceiros e veem o namoro como limitador. Meninas com comportamento mais "masculino", mas ainda românticas. Em contrapartida, há esvaziamento do papel dos meninos. Estão perdidos, não sabem o que fazer, enquanto elas sabem: têm muita diferença a tirar.
Como as mulheres refizeram o caminho que foi dos homens, temos adolescentes mais atiradas, que ficam com vários parceiros e veem o namoro como limitador. Meninas com comportamento mais "masculino", mas ainda românticas. Em contrapartida, há esvaziamento do papel dos meninos. Estão perdidos, não sabem o que fazer, enquanto elas sabem: têm muita diferença a tirar.
Como isso se reflete na linguagem?
Na escrita, sob a revolução midiática, nunca se escreveu tanto. Ao menos por enquanto, internet para o jovem é rede social, uma maneira de conversar com os outros, de mostrar-se e de ver o que acontece. As pessoas querem cultivar amigos. Com isso, há uma oralidade sendo transmitida à escrita. Há os neologismos da internet e há os da fala cotidiana.
Na escrita, sob a revolução midiática, nunca se escreveu tanto. Ao menos por enquanto, internet para o jovem é rede social, uma maneira de conversar com os outros, de mostrar-se e de ver o que acontece. As pessoas querem cultivar amigos. Com isso, há uma oralidade sendo transmitida à escrita. Há os neologismos da internet e há os da fala cotidiana.
O jovem adota gírias só até entrar no mercado?
Pode ser, mas é preciso considerar que o mercado e as famílias estão mais abertos a gírias adolescentes do que o inverso. Hoje, é comum ouvir, no trabalho, expressões que os pais incorporaram dos filhos. As pessoas falam "beleza" e "tá certo" mesmo em atividades formais - e já não soa esquisito. Os ambientes de trabalho estão mais flexíveis com a linguagem. A juventude fez isso.
Pode ser, mas é preciso considerar que o mercado e as famílias estão mais abertos a gírias adolescentes do que o inverso. Hoje, é comum ouvir, no trabalho, expressões que os pais incorporaram dos filhos. As pessoas falam "beleza" e "tá certo" mesmo em atividades formais - e já não soa esquisito. Os ambientes de trabalho estão mais flexíveis com a linguagem. A juventude fez isso.
A barreira da linguagem reflete nossa ignorância sobre o jovem?
Há muitos mitos. Não está correta, por exemplo, a ideia de geração que nasceu digital, faz ene coisas ao mesmo tempo e quer liberdade, espaços abertos, esportes radicais. E, embora o jovem leve vantagem com as novas mídias, ele lida com as novidades de maneira espantada, assim como nós. Nesta pesquisa e numa anterior, de 2005, os jovens se dizem afogados com tanta informação.
Há muitos mitos. Não está correta, por exemplo, a ideia de geração que nasceu digital, faz ene coisas ao mesmo tempo e quer liberdade, espaços abertos, esportes radicais. E, embora o jovem leve vantagem com as novas mídias, ele lida com as novidades de maneira espantada, assim como nós. Nesta pesquisa e numa anterior, de 2005, os jovens se dizem afogados com tanta informação.
Que outros mitos ruíram?
O de que eles preferem ambientes abertos. O lugar mais jovem da cidade é a sua casa. É lá que ele se sente à vontade, e os pais o estimulam a receber amigos. Isso tem a ver com segurança e também com a mudança estrutural das famílias, que eram grandes. Agora, têm poucos filhos, se deslocaram e ficaram longe de avós e tios. Os amigos cumprem o papel dos antigos primos e irmãos.
O de que eles preferem ambientes abertos. O lugar mais jovem da cidade é a sua casa. É lá que ele se sente à vontade, e os pais o estimulam a receber amigos. Isso tem a ver com segurança e também com a mudança estrutural das famílias, que eram grandes. Agora, têm poucos filhos, se deslocaram e ficaram longe de avós e tios. Os amigos cumprem o papel dos antigos primos e irmãos.
O gosto pela casa indica uma geração que fez da internet sua janela?
O que se nota é que o contato digital é tão prazeroso quanto a necessidade física de estar com a turma. Não é uma experiência tão pobre quanto imaginam os adultos. A imagem do jovem que faz mil coisas de uma vez também é falsa. Ele consome muitas mídias: são 8 horas diárias, 3 só na internet, outras 3 na TV, mas um consumo fragmentado, não tão simultâneo.
O jovem é superficial e alienado? Ou isso é mito?
Não diria superficial. Os valores mudaram. Tivemos gerações empenhadas em política ou em ganhar dinheiro. Hoje, há bandeiras como "vamos viver a vida com mais prazer e sentido". Não serão esses os jovens que vão revolucionar o meio ambiente, mas tiveram mais convites a pensar a questão. O fato é que a presença feminina se reflete numa geração mais conservadora e menos individualista, atenta à qualidade da própria vida. Não dá para dizer que é mais alienada.
O que se nota é que o contato digital é tão prazeroso quanto a necessidade física de estar com a turma. Não é uma experiência tão pobre quanto imaginam os adultos. A imagem do jovem que faz mil coisas de uma vez também é falsa. Ele consome muitas mídias: são 8 horas diárias, 3 só na internet, outras 3 na TV, mas um consumo fragmentado, não tão simultâneo.
O jovem é superficial e alienado? Ou isso é mito?
Não diria superficial. Os valores mudaram. Tivemos gerações empenhadas em política ou em ganhar dinheiro. Hoje, há bandeiras como "vamos viver a vida com mais prazer e sentido". Não serão esses os jovens que vão revolucionar o meio ambiente, mas tiveram mais convites a pensar a questão. O fato é que a presença feminina se reflete numa geração mais conservadora e menos individualista, atenta à qualidade da própria vida. Não dá para dizer que é mais alienada.
Não há mais informação do que jovens bem informados?
O jovem está sim mais informado. Minha geração tinha mídias tradicionais para consultar, e isso limitava o número de pessoas informadas. Hoje é diferente. Uma adolescente me disse algo decisivo: "Não preciso ir até a informação, ela vem a mim". Se as Torres Gêmeas caem ou o Lombardi morre, o jovem saberá, mas de segunda, terceira mão, sem consultar as mídias tradicionais. Fiz um estudo de caso no Twitter de uma garota que postou a mensagem "O Lombardi morreu. Não acredito". Quis saber onde ela buscou a história e vi que no Twitter de uma celebridade. Ela retuitou a informação, e seus amigos a seguiram. Alguns, então, questionam: "Mas morreu do quê?". Aí vão às mídias tradicionais buscar detalhes e dizer ao amigo que sabem mais do que ele.
Quais os acertos e os erros na linguagem que se adota com o jovem?
O conteúdo é importante, mas desde que embalado de um jeito funcional. E o jovem gosta de entretenimento aliado a
conteúdo. Se algo benfeito é bem embalado, o jovem tira de letra mesmo a mensagem mais complexa. Por outro lado, o erro mais tosco é posar de jovem. Tende-se a exagerar na gíria. O jovem percebe quando um adulto se passa por garoto. Outro erro é congelar a imagem do jovem no filho, no sobrinho. As pessoas mudam com rapidez seus hábitos, é fácil perder o compasso. O terceiro erro é não valorizar a força do visual da mensagem. É preciso traduzir fatos em imagens e "imagens verbais".
O jovem está sim mais informado. Minha geração tinha mídias tradicionais para consultar, e isso limitava o número de pessoas informadas. Hoje é diferente. Uma adolescente me disse algo decisivo: "Não preciso ir até a informação, ela vem a mim". Se as Torres Gêmeas caem ou o Lombardi morre, o jovem saberá, mas de segunda, terceira mão, sem consultar as mídias tradicionais. Fiz um estudo de caso no Twitter de uma garota que postou a mensagem "O Lombardi morreu. Não acredito". Quis saber onde ela buscou a história e vi que no Twitter de uma celebridade. Ela retuitou a informação, e seus amigos a seguiram. Alguns, então, questionam: "Mas morreu do quê?". Aí vão às mídias tradicionais buscar detalhes e dizer ao amigo que sabem mais do que ele.
Quais os acertos e os erros na linguagem que se adota com o jovem?
O conteúdo é importante, mas desde que embalado de um jeito funcional. E o jovem gosta de entretenimento aliado a
conteúdo. Se algo benfeito é bem embalado, o jovem tira de letra mesmo a mensagem mais complexa. Por outro lado, o erro mais tosco é posar de jovem. Tende-se a exagerar na gíria. O jovem percebe quando um adulto se passa por garoto. Outro erro é congelar a imagem do jovem no filho, no sobrinho. As pessoas mudam com rapidez seus hábitos, é fácil perder o compasso. O terceiro erro é não valorizar a força do visual da mensagem. É preciso traduzir fatos em imagens e "imagens verbais".
Quais os obstáculos para quem quer comunicar-se com o jovem?
Só na aparência os jovens são autossuficientes. Passam 80% do tempo se autoabastecendo de dados, e de algum modo digerem o que vale a pena e vai sustentar seus papos. Há gente, por enquanto adulta, que fornece o conteúdo que, de alguma maneira, será tema da conversa deles. Estamos no grande momento de desenvolver um modelo de fluxo de informação. Para alguém autossuficiente, mas carente de orientação.
Só na aparência os jovens são autossuficientes. Passam 80% do tempo se autoabastecendo de dados, e de algum modo digerem o que vale a pena e vai sustentar seus papos. Há gente, por enquanto adulta, que fornece o conteúdo que, de alguma maneira, será tema da conversa deles. Estamos no grande momento de desenvolver um modelo de fluxo de informação. Para alguém autossuficiente, mas carente de orientação.
O que se aponta no futuro?
Com a consolidação da figura da mãe por essa geração, tendemos a ver jovens cada vez mais "femininos", tolerantes e acolhedores, valorizando a família e os amigos. Na mesma direção, há uma mulher agressiva, "masculina", que determina cada vez mais os rumos da sociedade. Está anunciada, e para breve, uma nova onda: a revisão do papel masculino. Que homens serão esses que começaram a dar tal importância à mulher? Como isso se refletirá na linguagem? São perguntas que a atual geração deve nos responder. No futuro, é claro.
Com a consolidação da figura da mãe por essa geração, tendemos a ver jovens cada vez mais "femininos", tolerantes e acolhedores, valorizando a família e os amigos. Na mesma direção, há uma mulher agressiva, "masculina", que determina cada vez mais os rumos da sociedade. Está anunciada, e para breve, uma nova onda: a revisão do papel masculino. Que homens serão esses que começaram a dar tal importância à mulher? Como isso se refletirá na linguagem? São perguntas que a atual geração deve nos responder. No futuro, é claro.
A figura mais admirada: a mãe
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Coisas que aprendeu com a mãe | Para ser feliz é preciso |
Ser honesto 34% | Ter poucos e bons amigos |
Ser educado 27% | Cuidar de quem se gosta 30% |
Respeitar o outro 26% | Ser querido pela familia 29% |
Fonte: Novos Consumidores 2, Studio Idéias, julho/outubro 2008, questionário via internet (1.470 entrevistados), qualitativa com blogs (24), Perception Analyser (105), focus group "curto-circuito" (24). |
Jovens linguagens
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Um verbo como "ficar" (namorar) marca a aversão a compromisso longo, não só porque o sexo é risco na era da aids, mas por sinalizar o relacionamento rápido e fragmentário.
O mercado de trabalho e as famílias estão mais abertos a gírias adolescentes. Hoje, é comum ouvir, no trabalho, expressões que os pais incorporaram dos filhos. Sob a revolução midiática, nunca a juventude escreveu tanto. Há uma oralidade sendo transmitida à escrita e neologismos gerados na internet, não desprezíveis. |
Adorei o texto, bastante interessante por ele falar dos jovens e relatar a maneira, das linguagens, costumes do jovem ultimamente, que a cada vez mais vem mudando.. Bastante interessante lembrar que a linguagem dos jovens, já é uma coisa bem comum entre os adultos, tanto como pais, professores, etc. Muito bom o blog também, achei bem criativo e interessante e sempre que puder virei dar mais umas olhadas, pra saber o que tem de novo. Beijos, Helen
ResponderExcluirÉ isso mesmo Helen... pode dar quantas olhadas quiser, fica a vontade...beijos
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